O PAPIRO 7Q5 e 7Q4, SURPRESA PARA MUITOS
A teoria que exige datação tardia para os Evangelhos dominou o mundo da exegese. Conseqüência disso tem sido a negação do valor histórico do testemunho contido neles. Agora, a papirologia a surpreendeu e a desmontou . Entretanto, por aqui, coordenadores de estudos bíblicos continuam a disseminá-la.
Embora Cultura e Fé já tenha tratado da matéria, leitores estão cobrando esclarecimento mais amplo. Vou tentar, por estes registros. São anotações apenas. Divido-as em cinco partes, somente para facilitar a leitura. Sem pretensão metodológica rigorosa. Ao final indico duas fontes para começo de um estudo mais fundo. Uma, do papirólogo alemão Carsten Peter Thiede, em tradução do original inglês; outra, do exegeta Dom João Evangelista Martins Terra S.J.
1. A datação dos Sinóticos
No séc. XVIII, o iluminismo, o racionalismo e a teologia liberal debruçaram-se sobre o Evangelho de Marcos. Até então os estudiosos haviam preferido trabalhar com Mateus e Lucas, porque eram mais extensos e continham 610 versículos dos 678 de Marcos.
A nova preferência por Marcos, segundo entendidos, se deveu ao fato de que os promotores daquelas correntes estavam preocupados em sujeitar a teologia às fronteiras daquilo que tinham por racional. Como Marcos lhes parecia mais próximo do terrestre, escolheram-no para despojar Jesus de todo o seu Mistério.
O “Jesus histórico” teria sido o arquiteto de uma extraordinária ética universal, um modelo de solidariedade e liberdade. Um homem acima do comum, mas apenas um homem. Esse era o “Jesus histórico”, cuja imagem se criava e recriava segundo a tendência ou preferência de cada grupo, que se considerava moderno. Daquela época é a elaboração das numerosas “Vidas de Jesus” (Hermann Samuel Reimarus, 1694-1768; H.E.G. Paulus, 1761-1851; D. F. Strauss, 1808-1874; F. C. Baur , 1792-1860; Renan, 1823-1890).
Nos inícios deste século, caindo no extremo oposto, a escola da História das Formas (“Formgeschichte”), com a teoria das formas e das fórmulas, decretou que havia um abismo entre o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé”.
Para seus promotores, saber algo com certeza sobre o Jesus da história seria impossível. Somente contaria para o cristão o Cristo da fé. Mas, na realidade, ao dogmatizar a teoria da intransponibilidade do alegado abismo entre o Jesus da história e o Cristo da fé, esses “especialistas” estavam minando seu próprio cristianismo.
Rudolph Bultmann, radicalizador do método da História das Formas, proclamava: “Milagre e ressurreição (...) são simples mitos”. “Jesus histórico é apenas um sussurro no ventre da lenda”. Nada de certo poderíamos saber sobre o homem Jesus, mas isso não importaria, segundo ele. Bastaria ter fé.
Mas, como ter fé a partir de invenções de grupos anônimos e amorfos? Deus sempre se revela respeitando a nossa estrutura de seres racionais.
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A “Formgeschichte” (história das formas) radicalizada não tem consistência.
O Cristianismo é antes de tudo um fato. Um fato da história. A fé cristã se funda no fato do Crucificado-Ressuscitado. Não é “fideísmo”. Nem produto lendário. Aconteceu, publicamente , na terra do homem. Se quiséssemos ignorar-lhe a empiria da origem, a experiência real dos Doze, o testemunho da Igreja da era apostólica, cairíamos na gnose. O querigma (kérigma) cristão, sem o fundamento histórico, não se adequaria à condição do homem. Perderia a consistência do testemunho apostólico, no qual se radica. O Verbo da Vida assumiu a carne do homem, nos limites concretos do homem. Na história do homem. O Senhor nosso Deus se manifestou na história. Não nas fantasias da gnose. Sua manifestação também não é produto do imaginário primitivo de comunidades anônimas.
Como entender que os bultmannianos pretendessem afirmar o Cristianismo, pregando o abismo entre a fé e a história?
* * *
A teoria da “história das formas” (formgeschichte) centrava a atenção nas várias unidades, que estariam sob os textos atuais dos Evangelhos. Os sinóticos nada mais seriam do que mosaicos de pequenas unidades literárias, criadas por comunidades anônimas primitivas. Unidades que traziam em si a marca de seu “Sitz im Leben” (lugar de nascimento). Bem mais tarde reunidas e dispostas no texto dos Evangelhos. É claro que para a formação dessas unidades lendárias teria sido necessária fermentação de algumas dezenas de anos. Implicaria um largo tempo de criação e coleta para a redação final dos Evangelhos. Daí a razão pela qual tinham que atribuir aos mesmos Evangelhos uma datação tardia. Lá pelo fim do século I. Entre 70 e 100. Senão mais.
* * *
A datação tardia tornou-se um “dogma” da exegese dominante. A maioria dos exegetas católicos se submeteu a esse “dogma”. A tal ponto que a impuseram às casas de formação do clero. As próprias edições críticas, católicas, do Novo Testamento atribuem datas de 70 a 100 para a redação dos Evangelhos. No mínimo quatro décadas após a Ascensão, para a elaboração do primeiro Evangelho, que seria o de Marcos. Desprezaram os testemunhos externos dos primeiros séculos que atestavam a redação dos sinóticos na era apostólica.
Lembro, entretanto, que Urs von Balthasar não foi assimilado pela corrente dominante. Denunciou-lhe a teoria como mera “invenção intelectual”. O mesmo fizeram exegetas como Ignace de la Potterie, Carmignac e Tresmontant. Romano Guardini e Ratzinger demonstraram o equívoco epistemológico da exegese dominante, em EXEGESE CRISTÃ HOJE (Vozes, 1996). Entre nós, bem recentemente se manifestou o exegeta João Evangelista Martins Terra. Eles não se deixaram sufocar pela onda européia da datação tardia, embora se tivessem doutorado nos centros da tormenta.
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* * *
O povo precisa saber para não ser enrolado. Não se quer negar o valor do estudo crítico dos Evangelhos, o esforço de especialistas sérios. O que se denuncia é a aplicação inadequada de métodos críticos, com suas conclusões preconceituosas. O povo precisa saber que as teorias da crítica histórica, responsável pela datação tardia dos Evangelhos, difundidas com desenvoltura como grandes novidades, nunca passaram de teorias. “Invenções intelectuais”, no duro registro de Von Balthasar.
José O’Callaghan, Carsten Peter Thiede e o Congresso Internacional de Eichstätt, Alemanha, de outubro de 1991, liquidaram o “dogma” da crítica histórica que atribuía redação tardia aos sinóticos. Desequilibraram as teses que desprezavam os testemunhos externos da historicidade dos Evangelhos. Se por si só a datação antiga não lhes comprova a historicidade, seguramente reduz a nada as alegadas “tradições míticas” inventadas pelos opositores. Conforta o testemunho da Igreja-testemunha.
2. Na segunda metade do nosso século, a surpresa
Em 1955, dez anos após a descoberta dos manuscritos das grutas da colina Kibert Qumran, na margem ocidental do Mar Morto, deserto de Judá, 13 km ao sul de Jericó, o arqueólogo W. Albright e outros começaram a examinar a “Gruta 7”. Tratava-se de papiros, que identificaram como da primeira metade do séc. I. A arqueologia da área confirmou essa datação. A região fora arrasada pela “X Legião Romana”, “Fretensis”, no ano 68 d. C.
Aquele ano de 68 constituia um marco histórico decisivo. Irrecusável. Estava definitivamente assentado que todos os documentos depositados naquelas grutas eram anteriores a 68.
O teste do carbono 14, que embora deva ser acatado com cautelas, confirmava os demais testes e dados históricos, apontando para uma data média da documentação remontante ao ano 33 d.C. O que jamais poderiam imaginar é que lá se encontrassem textos do Novo Testamento. A dita “crítica histórica” proibia tal imaginação. Seria contra a datação tardia dos Sinóticos, que ela impusera como científica.
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As “pequenas grutas” se identificam com um número, de 1 a 11, e com a letra “Q”, indicativa de Qumran. Os documentos, com um número que segue àquela letra.
Na gruta “7”, foram encontrados 18 documentos (fragmentos). O documento, que se aponta como implosivo para a teoria da redação tardia dos Evangelhos, é o 7Q5 (fragmento n. 5, da gruta 7 de Qumran.)
A identificação dos fragmentos encontrados se efetuaram em diversas etapas e por métodos científicos. Historiadores, paleógrafos, papirólogos trabalharam escrupulosamente sobre o material descoberto. A esticometria, a pesquisa através de microscópios potentíssimos, o método comparativo dos estilos gráficos das diversas épocas e computadores adequadamente programados foram utilizados. E quando possível, não se dispensaram testes com o Carbono 14. Ao menos, para a datação histórica dos entornos, já que os documentos seriam inutilizados se submetidos a esse teste.
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Em 1962, publicaram fac-símiles dos documentos de Qumran. Entre esses, os dos 18 fragmentos da gruta 7, escavada em fevereiro de 1955.
O paleógrafo e papirólogo do Instituto Bíblico, Professor José O’Callaghan, após ter pesquisado e estudado os papiros de Qumran, por cerca de vinte anos, detonou uma revolução entre os especialistas. E também entre todos quantos, embora não especialistas, buscam atualização constante em tudo que diga com os fundamentos da fé cristã.
O acontecimento se deu em 1972, quando O’Callaghan publicou na revista “Bíblica” o resultado de sua pesquisa, sob o título “Papiros neotestamentarios en la cueva 7 de Qumran?” ( Bíblica, 53, 91-100, 1972). Entre outras indicações, ele propunha, cautelosamente, a do papiro 7Q5 como sendo do Evangelho de Marcos (6, 52-53). Porque a descoberta contradizia as lições da maioria dos integrantes da chamada “Comunidade Científica Internacional”, tentaram matá-la com o silêncio.
O’Callaghan, entretanto, cristão, padre e cientista, fiel à busca da verdade, prosseguiu a pesquisa e acumulou provas de tal ordem que despertou o interesse de cientistas independentes.
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O 7Q5 é um pequeno fragmento com texto de vinte letras gregas dispostas em cinco linhas. Algumas bem identificáveis, outras cuja identificação exigia os conhecimentos e a experiência de papirólogos, com técnicas especializadas.
A combinação das letras “nnes”, na quarta linha, e a coordenativa “kai” foram chaves para a descoberta de O’Callaghan. A combinação “nnes” era do lago de “Gennesaret”. A conjunção coordenativa “kai” (“e”, em grego) era um “kai paratático”, caraterística de Marcos. Ele evita constantemente a subordinativa. Usa sempre “e” (paratáxis). O estilo de Marcos é o que se chama de estilo paratático.
Após longo trabalho e, afinal, realizado o cotejo com toda a literatura grega antiga, através de computador corretamente programado, o resultado: 7Q5 é Mc 6, 52-53.
Todas as demais hipóteses foram excluídas. O 7Q5 se impunha como surpresa de míssil contra a exegese dominante. Entre os anos 40 e 50, as comunidades já possuíam cópia do Evangelho de Marcos.
O microscópio, que possibilitou a nova técnica de esquadrinhamento (scanning) com laser epifluorescente confocal foi decisivo, depois, para a confirmação da resposta do computador.
Importantíssima, em toda a pesquisa, foi a esticometria. Lembro que a esticometria (do grego “stichos, verso, linha) é um meio usado para a medição das linhas e reconstituição de um texto antigo. Completa as linhas fragmentárias.
(Pormenores científicos da pesquisa se encontram nos trabalhos indicados no fim destas anotações.)
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Em 1986, Carsten Peter Thiede, cientista, de fé luterana, papirólogo que participou da criação do potentíssimo “microscópio esquadrinhador a laser confocal epifluorescente”, professor da Universidade de Wuppertal, publicou em alemão, após pesquisa séria, um trabalho intitulado “O mais antigo escrito dos Evangelhos?”. Esse trabalho confirmava a conclusão de O’Callaghan. O Pontifício Instituto Bíblico estampou a tradução italiana, em 1989. Em junho de 1991, a revista “30 Giorni” e o semanário “Il Sabato” agitaram a questão. Denunciaram a conjura do silêncio e apresentaram entrevistas sucessivas, pró e contra, com vários cientistas.
3. A confirmação de Carsten Peter Thiede e a oposição
Thiede estudara a pesquisa de O’Callaghan. Fora a Jerusalém para exame direto do 7Q5. Reiterara a aplicação da esticometria. Utilizara seu poderoso microscópio. Insistira na crítica textual, aplicando todos os recursos da Papirologia e da Paleografia. Por fim, confirmou: “Recapitulando, não só trouxemos todas as provas positivas sobre a exatidão da identificação, mas ainda eliminamos todas as objeções possíveis. Segundo as regras do trabalho paleográfico e da crítica textual, é certo que o fragmento 7Q5 é Marcos, 6, 52-53, sendo, portanto, o mais antigo fragmento conservado de um texto do Novo Testamento, escrito por volta do ano 50”. Na realidade, entre 40 e 50. Marque-se que esse texto era de uma cópia. A conseqüência é óbvia. Quando Marcos escreveu, as testemunhas diretas estavam vivas. Podiam conferir seu escrito com os fatos vividos.
Entretanto, a ditadura da corrente exegética dominante continuou. Através da censura do silêncio imposta à descoberta de O’Callaghan, conseguira mantê-la quase no anonimato por dezenove anos. Num comportamento nada científico, queriam conservar suas teorias a todo o custo.
Pierre Grelot, teólogo muito respeitado nos meios intelectuais, agrediu pessoalmente O’Callaghan, em entrevista à imprensa internacional. Declarou que se tratava de “uma conjetura de um pobre jesuíta espanhol, para identificar em um manuscrito grego de Qumran, do qual só restam pedaços de linhas, uma frase de São Marcos, corrigindo-a porque as frases não são suficientemente longas.” E acrescentou: “È uma conjetura completamente absurda”.
Monsenhor Gianfranco Ravasi, então prefeito da Biblioteca Ambrosiana de Milão, repudiou as pesquisas de O’Callaghan, declarando: “Persiste, de forma muitas vezes negligente e frenética, o interesse pelo Jesus histórico” (Avvenire, 12.9.1992). Já havia tropeçado e caído, no entanto, ao demonstrar desconhecimento completo a respeito do texto em debate, quando fez esse registro. Apesar de desconhecer a matéria, acusou Carsten Peter Thiede de fazer uma “reconstrução superficial” da identificação de O’Callaghan. Em conferência proferida em Milão, a 16.12.1989, tinha se manifestado sobre a descoberta de José O’Callaghan, sentenciando: “Ele (O’Callaghan) examinou um pequeno papiro encontrado na gruta 7 de Qumran, no qual só havia algumas letras hebraicas (...). Viu que aquelas letras hebraicas coincidiam com uma transcrição hebraica do grego de Marcos”. O desprezo para com a descoberta parecia evidente, mas o que ficou evidenciado foi a inciência de Ravasi. Ressaiu, em sua “sentença”, que, após quase duas décadas da primeira pesquisa de O’Callaghan, nem sabia que o texto pesquisado estava escrito em grego. Pensava que se tratava de texto hebraico. Ignorava a matéria que pretendia criticar e sepultar.
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Kurt Aland, coordenador do texto normativo do Novo Testamento Grego, é o cientista que, com seu pronunciamento, havia determinado silêncio sobre a importância da descoberta do 7Q5. Declarara que submetera o 7Q5 ao computador, para confrontar o texto grego do Evangelho, e obtivera resultado negativo.
Mas outro cientista, da Universidade de Eichstätt, Ferdinand Rohrhisch, não se encolheu diante da celebridade.
Através de um estudo intitulado Markus in Qumran, revelou o erro de Aland e sua causa. E, em entrevista a 30 Giorni de novembro de 1991, n. 10, declarou: “Descobri que a pesquisa feita por Aland (...) deu resultado negativo não por causa do fragmento, mas porque Aland usou um programa errado, que não continha a variante ‘tau’ no lugar do ‘delta’. Nem o ‘paragraphus’ da primeira ‘kai’. Isso não era correto. Só podia dar resultado negativo. É impossível que um computador demonstre uma coisa contra a qual foi explicitamente programado”. Essa denúncia do erro de Aland, qualificado de fiasco, foi contundente. Provavelmente por isso não compareceu ao Congresso Internacional de Eichstätt, 1991. Não tinha mais como sustentar a tese de que os Evangelhos não poderiam ter sido escritos antes de 68 d.C.
Os opositores da descoberta, referidos acima, constituem só uma amostra. O rol era enorme. Na maioria, católicos.
É por isso que Peter Schulz, após o encerramento do Congresso de Eichstätt, anotou: “Ironia da história: os católicos se ajoelharam diante dos exegetas protestantes, trazendo para dentro da Igreja todas as suas extravagâncias, que minam a base da tradição católica. Agora são os maiores defensores do método histórico-crítico, que já faz água por todos os lados” (30 Giorni, n. 10/1991).
O Congresso Internacional de Eichstätt, Alemanha, de 1991, 18 a 20 de outubro, ratificou a autenticidade da descoberta de O’Callaghan, confirmada por Thiede.
Para debater a questão, os especialistas todos, favoráveis ou não à identificação do 7Q5 como Marcos, foram convidados.
O professor Harald Riesenfeld, da Universidade Upsala, Suécia, iniciou sua manifestação, aduzindo o silêncio imposto à descoberta de O’Callaghan e denunciando: “A crítica sufocou essa descoberta até hoje”. Queria que o mundo soubesse a verdade. Em entrevista para “Il Sabato”, em 2.11.1991, esclareceu: “Claro que a fé não está fundada a partir dessa descoberta científica”. Mas completou, para os que pretendem em nada importar tal descoberta para fé cristã: “Deus entrou na história dirigindo-se exatamente à razão do homem e isso continua a verificar-se na Igreja”. (Riesenfeld é mundialmente reconhecido como cientista e historiador. Um luterano, cujas pesquisas o levaram a abraçar a fé católica.)
Thiede, que provocara a realização do Congresso, confortou a descoberta de O’Callaghan. E a confortou com competência inquestionável. Demonstrou a desfundamentação das teorias elaboradas pela corrente até então dominante. E não teve dúvidas em referir-se a ausência de Aland, comentando: “É uma pena. Aland poderia nos explicar porque é impossível que os Evangelhos tenham sido escritos antes do ano 68. Essa é uma tese preconceituosa, que nos foi imposta durante todos esses anos e ninguém nos deu uma explicação razoável”. Segundo ele, O’Callaghan havia pesquisado com grande escrúpulo científico os fragmentos da gruta 7. O 7Q5 correspondia, definitivamente, a Mc 6,52-53.
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A Presidente Honorária da Associação de Papirólogos, Orsolina Montevecchi, confirmou a conclusão do Congresso, declarando: “Não creio possa haver mais dúvidas sobre a identificação do 7Q5” (30 Giorni 7-8, p. 75, 1994).
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Ruiu, também no terreno dos fatos, toda a arquitetura da celebrada crítica moderna. Concordaram com O’Callaghan e Thiede, não só Montevechi, mas cientistas, paleógrafos, papirólogos e historiadores presentes ao simpósio. Entre eles estavam Herbert Hunger, professor de papirologia da Universidade de Viena, Hugo Staundiger, diretor de pesquisas do “Institut für Bildung und Wissen”, Ateneu de Paderborn, Giuseppe Ghiberti, Ignace de la Potterie, um dos exegetas mais autorizados do Instituto Bíblico.
O Simpósio Internacional, realizado na Universidade de Eichstätt, Alemanha, em 1991, concluiu com autoridade científica: O papiro 7Q5 é fragmento do Evangelho de Marcos (Mc 6,52-53). Consta da Ata do Simpósio Internacional de Eichstätt: B. Mayer (org.) - “Christentum und Christlichen in Qumran?”, Eichstätter Studien 32, Regensburg, 1992.
Os intitulados biblistas que agrediram O’Callaghan, em comportamento impróprio, devem retratar-se se quiserem recuperar-se. Devem lembrar que teorias negadoras da Tradição já foram derrubadas antes. Como aquela sobre o Evangelho de João. Quando os especialistas estabeleciam sua redação original na segunda metade do séc. II, tiveram que recuar para antes do ano 100, ao ser descoberto o P52 (papiro 52, Rylands, de João), fragmento de cópia conhecida no Egito já por volta do ano 115.
4. O 7Q5 não é um papiro isolado. O 7Q4 e os de Magdalen o confirmam
Em outra oportunidade talvez se possa divulgar algo mais sobre esses papiros. Confirmam a prova de que os escritos neotestamentários são da era apostólica. Escritos por quem viveu a história real, diante de testemunhas dessa mesma história.
Quanto ao 7Q4, trecho da Carta de Paulo a Timóteo (1Tm 3,16 e 4,13), identificado também por O’Callaghan, é tão importante e incontestável como o 7Q5.
Após expor os fundamentos, no mesmo Congresso de Eischtätt, Thiede concluiu: “O 7Q4 foi identificado com certeza”.
A importância da identificação de um trecho das cartas pastorais de Paulo é clara. Fica demonstrada sua datação de antes de 50. Cai a tese de sua datação tardia imposta pela crítica dominante até então, com a qual pretendiam estabelecer que as Cartas Pastorais eram falsas. Por que tanto interesse em que fossem falsas? Simplesmente porque, se reconhecessem a autoria de Paulo, teriam que admitir a organização hierárquica da Igreja já no tempo apostólico.
No que diz com os papiros de Magdalen, Oxford, (P 64), trata-se de redatação feita por Carsten Thiede de três fragmentos do Evangelho de Mateus. Fragmentos aos quais se atribuiu, por muito tempo, data do II ou do III século. Agora se sabe que datam de cerca do ano 40. Seu autor é testemunha ocular.
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5. Conclusão.
A toda evidência, a Tradição autêntica da Igreja está confirmada.
Os Evangelhos são da era apostólica. Caem as especulações, os jogos intelectuais, os postulados do método histórico-crítico, inadequadamente aplicado aos escritos neotestamentários. Relembre-se. A exegese dominante impunha um longo espaço de tempo entre o Jesus histórico e a redação dos Evangelhos. Precisavam disso para justificar suas teorias das diversas “formas literárias” e das “lendas”, supostamente criadas pelas comunidades helênicas antigas, condicionadas pelos variados “Sitz im Leben”, as quais teriam sido coligidas mais tarde pelos evangelistas sob o nome de Apóstolos ou discípulos. Agora o edifício exegético da dita “crítica moderna” implodiu.
Os Evangelhos foram escritos por testemunhas oculares e discípulos diretos das mesmas, bem pouco depois da Ascensão do Senhor. Está confirmado. E não só pelo papiro de Qumran, mas também pelos papiros de Magdalen, (Mt 26, 7-8. 10. 14-15. 22-23. 32-35), reestudados por Thiede. Os resultados desse trabalho estão publicados em livro, com tradução portuguesa , sob o título “Testemunha ocular de Jesus”.
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Para uma visão funda da matéria, sugiro a leitura atenta da obra, já referida, “TESTEMUNHA OCULAR DE JESUS”, de Carsten Peter Thiede, publicado em português, pela Editora Imago, em 1996. Há também um estudo completo, de trinta e três páginas, do exegeta Dom João Evangelista Martins Terra, de fácil acesso. Foi publicado pela revista ATUALIZAÇÃO, n. 265, de fevereiro de 1997, Minas Gerais, Belo Horizonte - fone (031) 441-3622. Trata-se de trabalho meticuloso. Supre as deficiências da divulgação tentada nestes registros. Dom João Evagelista Martins Terra S.J., professor de exegese, hoje bispo auxiliar de Brasília, trabalhou por vários anos na Congregação para a Doutrina da Fé. O artigo mencionado é denso de conteúdo. Descreve a técnica científica de identificação do 7Q5, com um anexo esclarecedor.*
Bendito seja o Senhor. Nas dobras críticas da história Ele socorre o seu Povo, não só suscitando profetas nos patamares da fé, mas também surpreendendo no chão dos fatos.
____________________________________________
*Obs.: Vale ler também Vittorio Messori, em “PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS?” (Ed. Santuário, 1993, Aparecida, SP. É continuação de “HIPÓTESES SOBRE JESUS”, publicado em 1976, que surpreendeu o mundo editorial pela maciça repercussão e espanto dos “especialistas”. Messori pesquisa há mais de vinte anos, sempre com o objetivo de poder “dar as razões de sua esperança” (1Pd 3,15). Em estilo jornalístico, mas de conteúdo que surpreende teólogos e biblistas. Revela conhecimento de toda a problemática exegética e teológica e o transmite livre da mordaça técnica. É o mesmo jornalista que entrevistou Ratzinger, em “FÉ EM CRISE?” (E.P.U., 1985), e João Paulo II, em “CRUZANDO O LIMIAR DA ESPERANÇA” (Francisco Alves Editora, 1994).]
Fonte do artigo> o artigo postado é publicação da Revista Cultura e Fé, n° 81/1998., revista do Instituto de Desenvolvimento Cultural
A teoria que exige datação tardia para os Evangelhos dominou o mundo da exegese. Conseqüência disso tem sido a negação do valor histórico do testemunho contido neles. Agora, a papirologia a surpreendeu e a desmontou . Entretanto, por aqui, coordenadores de estudos bíblicos continuam a disseminá-la.
Embora Cultura e Fé já tenha tratado da matéria, leitores estão cobrando esclarecimento mais amplo. Vou tentar, por estes registros. São anotações apenas. Divido-as em cinco partes, somente para facilitar a leitura. Sem pretensão metodológica rigorosa. Ao final indico duas fontes para começo de um estudo mais fundo. Uma, do papirólogo alemão Carsten Peter Thiede, em tradução do original inglês; outra, do exegeta Dom João Evangelista Martins Terra S.J.
1. A datação dos Sinóticos
No séc. XVIII, o iluminismo, o racionalismo e a teologia liberal debruçaram-se sobre o Evangelho de Marcos. Até então os estudiosos haviam preferido trabalhar com Mateus e Lucas, porque eram mais extensos e continham 610 versículos dos 678 de Marcos.
A nova preferência por Marcos, segundo entendidos, se deveu ao fato de que os promotores daquelas correntes estavam preocupados em sujeitar a teologia às fronteiras daquilo que tinham por racional. Como Marcos lhes parecia mais próximo do terrestre, escolheram-no para despojar Jesus de todo o seu Mistério.
O “Jesus histórico” teria sido o arquiteto de uma extraordinária ética universal, um modelo de solidariedade e liberdade. Um homem acima do comum, mas apenas um homem. Esse era o “Jesus histórico”, cuja imagem se criava e recriava segundo a tendência ou preferência de cada grupo, que se considerava moderno. Daquela época é a elaboração das numerosas “Vidas de Jesus” (Hermann Samuel Reimarus, 1694-1768; H.E.G. Paulus, 1761-1851; D. F. Strauss, 1808-1874; F. C. Baur , 1792-1860; Renan, 1823-1890).
Nos inícios deste século, caindo no extremo oposto, a escola da História das Formas (“Formgeschichte”), com a teoria das formas e das fórmulas, decretou que havia um abismo entre o “Jesus histórico” e o “Cristo da fé”.
Para seus promotores, saber algo com certeza sobre o Jesus da história seria impossível. Somente contaria para o cristão o Cristo da fé. Mas, na realidade, ao dogmatizar a teoria da intransponibilidade do alegado abismo entre o Jesus da história e o Cristo da fé, esses “especialistas” estavam minando seu próprio cristianismo.
Rudolph Bultmann, radicalizador do método da História das Formas, proclamava: “Milagre e ressurreição (...) são simples mitos”. “Jesus histórico é apenas um sussurro no ventre da lenda”. Nada de certo poderíamos saber sobre o homem Jesus, mas isso não importaria, segundo ele. Bastaria ter fé.
Mas, como ter fé a partir de invenções de grupos anônimos e amorfos? Deus sempre se revela respeitando a nossa estrutura de seres racionais.
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A “Formgeschichte” (história das formas) radicalizada não tem consistência.
O Cristianismo é antes de tudo um fato. Um fato da história. A fé cristã se funda no fato do Crucificado-Ressuscitado. Não é “fideísmo”. Nem produto lendário. Aconteceu, publicamente , na terra do homem. Se quiséssemos ignorar-lhe a empiria da origem, a experiência real dos Doze, o testemunho da Igreja da era apostólica, cairíamos na gnose. O querigma (kérigma) cristão, sem o fundamento histórico, não se adequaria à condição do homem. Perderia a consistência do testemunho apostólico, no qual se radica. O Verbo da Vida assumiu a carne do homem, nos limites concretos do homem. Na história do homem. O Senhor nosso Deus se manifestou na história. Não nas fantasias da gnose. Sua manifestação também não é produto do imaginário primitivo de comunidades anônimas.
Como entender que os bultmannianos pretendessem afirmar o Cristianismo, pregando o abismo entre a fé e a história?
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A teoria da “história das formas” (formgeschichte) centrava a atenção nas várias unidades, que estariam sob os textos atuais dos Evangelhos. Os sinóticos nada mais seriam do que mosaicos de pequenas unidades literárias, criadas por comunidades anônimas primitivas. Unidades que traziam em si a marca de seu “Sitz im Leben” (lugar de nascimento). Bem mais tarde reunidas e dispostas no texto dos Evangelhos. É claro que para a formação dessas unidades lendárias teria sido necessária fermentação de algumas dezenas de anos. Implicaria um largo tempo de criação e coleta para a redação final dos Evangelhos. Daí a razão pela qual tinham que atribuir aos mesmos Evangelhos uma datação tardia. Lá pelo fim do século I. Entre 70 e 100. Senão mais.
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A datação tardia tornou-se um “dogma” da exegese dominante. A maioria dos exegetas católicos se submeteu a esse “dogma”. A tal ponto que a impuseram às casas de formação do clero. As próprias edições críticas, católicas, do Novo Testamento atribuem datas de 70 a 100 para a redação dos Evangelhos. No mínimo quatro décadas após a Ascensão, para a elaboração do primeiro Evangelho, que seria o de Marcos. Desprezaram os testemunhos externos dos primeiros séculos que atestavam a redação dos sinóticos na era apostólica.
Lembro, entretanto, que Urs von Balthasar não foi assimilado pela corrente dominante. Denunciou-lhe a teoria como mera “invenção intelectual”. O mesmo fizeram exegetas como Ignace de la Potterie, Carmignac e Tresmontant. Romano Guardini e Ratzinger demonstraram o equívoco epistemológico da exegese dominante, em EXEGESE CRISTÃ HOJE (Vozes, 1996). Entre nós, bem recentemente se manifestou o exegeta João Evangelista Martins Terra. Eles não se deixaram sufocar pela onda européia da datação tardia, embora se tivessem doutorado nos centros da tormenta.
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O povo precisa saber para não ser enrolado. Não se quer negar o valor do estudo crítico dos Evangelhos, o esforço de especialistas sérios. O que se denuncia é a aplicação inadequada de métodos críticos, com suas conclusões preconceituosas. O povo precisa saber que as teorias da crítica histórica, responsável pela datação tardia dos Evangelhos, difundidas com desenvoltura como grandes novidades, nunca passaram de teorias. “Invenções intelectuais”, no duro registro de Von Balthasar.
José O’Callaghan, Carsten Peter Thiede e o Congresso Internacional de Eichstätt, Alemanha, de outubro de 1991, liquidaram o “dogma” da crítica histórica que atribuía redação tardia aos sinóticos. Desequilibraram as teses que desprezavam os testemunhos externos da historicidade dos Evangelhos. Se por si só a datação antiga não lhes comprova a historicidade, seguramente reduz a nada as alegadas “tradições míticas” inventadas pelos opositores. Conforta o testemunho da Igreja-testemunha.
2. Na segunda metade do nosso século, a surpresa
Em 1955, dez anos após a descoberta dos manuscritos das grutas da colina Kibert Qumran, na margem ocidental do Mar Morto, deserto de Judá, 13 km ao sul de Jericó, o arqueólogo W. Albright e outros começaram a examinar a “Gruta 7”. Tratava-se de papiros, que identificaram como da primeira metade do séc. I. A arqueologia da área confirmou essa datação. A região fora arrasada pela “X Legião Romana”, “Fretensis”, no ano 68 d. C.
Aquele ano de 68 constituia um marco histórico decisivo. Irrecusável. Estava definitivamente assentado que todos os documentos depositados naquelas grutas eram anteriores a 68.
O teste do carbono 14, que embora deva ser acatado com cautelas, confirmava os demais testes e dados históricos, apontando para uma data média da documentação remontante ao ano 33 d.C. O que jamais poderiam imaginar é que lá se encontrassem textos do Novo Testamento. A dita “crítica histórica” proibia tal imaginação. Seria contra a datação tardia dos Sinóticos, que ela impusera como científica.
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As “pequenas grutas” se identificam com um número, de 1 a 11, e com a letra “Q”, indicativa de Qumran. Os documentos, com um número que segue àquela letra.
Na gruta “7”, foram encontrados 18 documentos (fragmentos). O documento, que se aponta como implosivo para a teoria da redação tardia dos Evangelhos, é o 7Q5 (fragmento n. 5, da gruta 7 de Qumran.)
A identificação dos fragmentos encontrados se efetuaram em diversas etapas e por métodos científicos. Historiadores, paleógrafos, papirólogos trabalharam escrupulosamente sobre o material descoberto. A esticometria, a pesquisa através de microscópios potentíssimos, o método comparativo dos estilos gráficos das diversas épocas e computadores adequadamente programados foram utilizados. E quando possível, não se dispensaram testes com o Carbono 14. Ao menos, para a datação histórica dos entornos, já que os documentos seriam inutilizados se submetidos a esse teste.
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Em 1962, publicaram fac-símiles dos documentos de Qumran. Entre esses, os dos 18 fragmentos da gruta 7, escavada em fevereiro de 1955.
O paleógrafo e papirólogo do Instituto Bíblico, Professor José O’Callaghan, após ter pesquisado e estudado os papiros de Qumran, por cerca de vinte anos, detonou uma revolução entre os especialistas. E também entre todos quantos, embora não especialistas, buscam atualização constante em tudo que diga com os fundamentos da fé cristã.
O acontecimento se deu em 1972, quando O’Callaghan publicou na revista “Bíblica” o resultado de sua pesquisa, sob o título “Papiros neotestamentarios en la cueva 7 de Qumran?” ( Bíblica, 53, 91-100, 1972). Entre outras indicações, ele propunha, cautelosamente, a do papiro 7Q5 como sendo do Evangelho de Marcos (6, 52-53). Porque a descoberta contradizia as lições da maioria dos integrantes da chamada “Comunidade Científica Internacional”, tentaram matá-la com o silêncio.
O’Callaghan, entretanto, cristão, padre e cientista, fiel à busca da verdade, prosseguiu a pesquisa e acumulou provas de tal ordem que despertou o interesse de cientistas independentes.
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O 7Q5 é um pequeno fragmento com texto de vinte letras gregas dispostas em cinco linhas. Algumas bem identificáveis, outras cuja identificação exigia os conhecimentos e a experiência de papirólogos, com técnicas especializadas.
A combinação das letras “nnes”, na quarta linha, e a coordenativa “kai” foram chaves para a descoberta de O’Callaghan. A combinação “nnes” era do lago de “Gennesaret”. A conjunção coordenativa “kai” (“e”, em grego) era um “kai paratático”, caraterística de Marcos. Ele evita constantemente a subordinativa. Usa sempre “e” (paratáxis). O estilo de Marcos é o que se chama de estilo paratático.
Após longo trabalho e, afinal, realizado o cotejo com toda a literatura grega antiga, através de computador corretamente programado, o resultado: 7Q5 é Mc 6, 52-53.
Todas as demais hipóteses foram excluídas. O 7Q5 se impunha como surpresa de míssil contra a exegese dominante. Entre os anos 40 e 50, as comunidades já possuíam cópia do Evangelho de Marcos.
O microscópio, que possibilitou a nova técnica de esquadrinhamento (scanning) com laser epifluorescente confocal foi decisivo, depois, para a confirmação da resposta do computador.
Importantíssima, em toda a pesquisa, foi a esticometria. Lembro que a esticometria (do grego “stichos, verso, linha) é um meio usado para a medição das linhas e reconstituição de um texto antigo. Completa as linhas fragmentárias.
(Pormenores científicos da pesquisa se encontram nos trabalhos indicados no fim destas anotações.)
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Em 1986, Carsten Peter Thiede, cientista, de fé luterana, papirólogo que participou da criação do potentíssimo “microscópio esquadrinhador a laser confocal epifluorescente”, professor da Universidade de Wuppertal, publicou em alemão, após pesquisa séria, um trabalho intitulado “O mais antigo escrito dos Evangelhos?”. Esse trabalho confirmava a conclusão de O’Callaghan. O Pontifício Instituto Bíblico estampou a tradução italiana, em 1989. Em junho de 1991, a revista “30 Giorni” e o semanário “Il Sabato” agitaram a questão. Denunciaram a conjura do silêncio e apresentaram entrevistas sucessivas, pró e contra, com vários cientistas.
3. A confirmação de Carsten Peter Thiede e a oposição
Thiede estudara a pesquisa de O’Callaghan. Fora a Jerusalém para exame direto do 7Q5. Reiterara a aplicação da esticometria. Utilizara seu poderoso microscópio. Insistira na crítica textual, aplicando todos os recursos da Papirologia e da Paleografia. Por fim, confirmou: “Recapitulando, não só trouxemos todas as provas positivas sobre a exatidão da identificação, mas ainda eliminamos todas as objeções possíveis. Segundo as regras do trabalho paleográfico e da crítica textual, é certo que o fragmento 7Q5 é Marcos, 6, 52-53, sendo, portanto, o mais antigo fragmento conservado de um texto do Novo Testamento, escrito por volta do ano 50”. Na realidade, entre 40 e 50. Marque-se que esse texto era de uma cópia. A conseqüência é óbvia. Quando Marcos escreveu, as testemunhas diretas estavam vivas. Podiam conferir seu escrito com os fatos vividos.
Entretanto, a ditadura da corrente exegética dominante continuou. Através da censura do silêncio imposta à descoberta de O’Callaghan, conseguira mantê-la quase no anonimato por dezenove anos. Num comportamento nada científico, queriam conservar suas teorias a todo o custo.
Pierre Grelot, teólogo muito respeitado nos meios intelectuais, agrediu pessoalmente O’Callaghan, em entrevista à imprensa internacional. Declarou que se tratava de “uma conjetura de um pobre jesuíta espanhol, para identificar em um manuscrito grego de Qumran, do qual só restam pedaços de linhas, uma frase de São Marcos, corrigindo-a porque as frases não são suficientemente longas.” E acrescentou: “È uma conjetura completamente absurda”.
Monsenhor Gianfranco Ravasi, então prefeito da Biblioteca Ambrosiana de Milão, repudiou as pesquisas de O’Callaghan, declarando: “Persiste, de forma muitas vezes negligente e frenética, o interesse pelo Jesus histórico” (Avvenire, 12.9.1992). Já havia tropeçado e caído, no entanto, ao demonstrar desconhecimento completo a respeito do texto em debate, quando fez esse registro. Apesar de desconhecer a matéria, acusou Carsten Peter Thiede de fazer uma “reconstrução superficial” da identificação de O’Callaghan. Em conferência proferida em Milão, a 16.12.1989, tinha se manifestado sobre a descoberta de José O’Callaghan, sentenciando: “Ele (O’Callaghan) examinou um pequeno papiro encontrado na gruta 7 de Qumran, no qual só havia algumas letras hebraicas (...). Viu que aquelas letras hebraicas coincidiam com uma transcrição hebraica do grego de Marcos”. O desprezo para com a descoberta parecia evidente, mas o que ficou evidenciado foi a inciência de Ravasi. Ressaiu, em sua “sentença”, que, após quase duas décadas da primeira pesquisa de O’Callaghan, nem sabia que o texto pesquisado estava escrito em grego. Pensava que se tratava de texto hebraico. Ignorava a matéria que pretendia criticar e sepultar.
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Kurt Aland, coordenador do texto normativo do Novo Testamento Grego, é o cientista que, com seu pronunciamento, havia determinado silêncio sobre a importância da descoberta do 7Q5. Declarara que submetera o 7Q5 ao computador, para confrontar o texto grego do Evangelho, e obtivera resultado negativo.
Mas outro cientista, da Universidade de Eichstätt, Ferdinand Rohrhisch, não se encolheu diante da celebridade.
Através de um estudo intitulado Markus in Qumran, revelou o erro de Aland e sua causa. E, em entrevista a 30 Giorni de novembro de 1991, n. 10, declarou: “Descobri que a pesquisa feita por Aland (...) deu resultado negativo não por causa do fragmento, mas porque Aland usou um programa errado, que não continha a variante ‘tau’ no lugar do ‘delta’. Nem o ‘paragraphus’ da primeira ‘kai’. Isso não era correto. Só podia dar resultado negativo. É impossível que um computador demonstre uma coisa contra a qual foi explicitamente programado”. Essa denúncia do erro de Aland, qualificado de fiasco, foi contundente. Provavelmente por isso não compareceu ao Congresso Internacional de Eichstätt, 1991. Não tinha mais como sustentar a tese de que os Evangelhos não poderiam ter sido escritos antes de 68 d.C.
Os opositores da descoberta, referidos acima, constituem só uma amostra. O rol era enorme. Na maioria, católicos.
É por isso que Peter Schulz, após o encerramento do Congresso de Eichstätt, anotou: “Ironia da história: os católicos se ajoelharam diante dos exegetas protestantes, trazendo para dentro da Igreja todas as suas extravagâncias, que minam a base da tradição católica. Agora são os maiores defensores do método histórico-crítico, que já faz água por todos os lados” (30 Giorni, n. 10/1991).
O Congresso Internacional de Eichstätt, Alemanha, de 1991, 18 a 20 de outubro, ratificou a autenticidade da descoberta de O’Callaghan, confirmada por Thiede.
Para debater a questão, os especialistas todos, favoráveis ou não à identificação do 7Q5 como Marcos, foram convidados.
O professor Harald Riesenfeld, da Universidade Upsala, Suécia, iniciou sua manifestação, aduzindo o silêncio imposto à descoberta de O’Callaghan e denunciando: “A crítica sufocou essa descoberta até hoje”. Queria que o mundo soubesse a verdade. Em entrevista para “Il Sabato”, em 2.11.1991, esclareceu: “Claro que a fé não está fundada a partir dessa descoberta científica”. Mas completou, para os que pretendem em nada importar tal descoberta para fé cristã: “Deus entrou na história dirigindo-se exatamente à razão do homem e isso continua a verificar-se na Igreja”. (Riesenfeld é mundialmente reconhecido como cientista e historiador. Um luterano, cujas pesquisas o levaram a abraçar a fé católica.)
Thiede, que provocara a realização do Congresso, confortou a descoberta de O’Callaghan. E a confortou com competência inquestionável. Demonstrou a desfundamentação das teorias elaboradas pela corrente até então dominante. E não teve dúvidas em referir-se a ausência de Aland, comentando: “É uma pena. Aland poderia nos explicar porque é impossível que os Evangelhos tenham sido escritos antes do ano 68. Essa é uma tese preconceituosa, que nos foi imposta durante todos esses anos e ninguém nos deu uma explicação razoável”. Segundo ele, O’Callaghan havia pesquisado com grande escrúpulo científico os fragmentos da gruta 7. O 7Q5 correspondia, definitivamente, a Mc 6,52-53.
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A Presidente Honorária da Associação de Papirólogos, Orsolina Montevecchi, confirmou a conclusão do Congresso, declarando: “Não creio possa haver mais dúvidas sobre a identificação do 7Q5” (30 Giorni 7-8, p. 75, 1994).
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Ruiu, também no terreno dos fatos, toda a arquitetura da celebrada crítica moderna. Concordaram com O’Callaghan e Thiede, não só Montevechi, mas cientistas, paleógrafos, papirólogos e historiadores presentes ao simpósio. Entre eles estavam Herbert Hunger, professor de papirologia da Universidade de Viena, Hugo Staundiger, diretor de pesquisas do “Institut für Bildung und Wissen”, Ateneu de Paderborn, Giuseppe Ghiberti, Ignace de la Potterie, um dos exegetas mais autorizados do Instituto Bíblico.
O Simpósio Internacional, realizado na Universidade de Eichstätt, Alemanha, em 1991, concluiu com autoridade científica: O papiro 7Q5 é fragmento do Evangelho de Marcos (Mc 6,52-53). Consta da Ata do Simpósio Internacional de Eichstätt: B. Mayer (org.) - “Christentum und Christlichen in Qumran?”, Eichstätter Studien 32, Regensburg, 1992.
Os intitulados biblistas que agrediram O’Callaghan, em comportamento impróprio, devem retratar-se se quiserem recuperar-se. Devem lembrar que teorias negadoras da Tradição já foram derrubadas antes. Como aquela sobre o Evangelho de João. Quando os especialistas estabeleciam sua redação original na segunda metade do séc. II, tiveram que recuar para antes do ano 100, ao ser descoberto o P52 (papiro 52, Rylands, de João), fragmento de cópia conhecida no Egito já por volta do ano 115.
4. O 7Q5 não é um papiro isolado. O 7Q4 e os de Magdalen o confirmam
Em outra oportunidade talvez se possa divulgar algo mais sobre esses papiros. Confirmam a prova de que os escritos neotestamentários são da era apostólica. Escritos por quem viveu a história real, diante de testemunhas dessa mesma história.
Quanto ao 7Q4, trecho da Carta de Paulo a Timóteo (1Tm 3,16 e 4,13), identificado também por O’Callaghan, é tão importante e incontestável como o 7Q5.
Após expor os fundamentos, no mesmo Congresso de Eischtätt, Thiede concluiu: “O 7Q4 foi identificado com certeza”.
A importância da identificação de um trecho das cartas pastorais de Paulo é clara. Fica demonstrada sua datação de antes de 50. Cai a tese de sua datação tardia imposta pela crítica dominante até então, com a qual pretendiam estabelecer que as Cartas Pastorais eram falsas. Por que tanto interesse em que fossem falsas? Simplesmente porque, se reconhecessem a autoria de Paulo, teriam que admitir a organização hierárquica da Igreja já no tempo apostólico.
No que diz com os papiros de Magdalen, Oxford, (P 64), trata-se de redatação feita por Carsten Thiede de três fragmentos do Evangelho de Mateus. Fragmentos aos quais se atribuiu, por muito tempo, data do II ou do III século. Agora se sabe que datam de cerca do ano 40. Seu autor é testemunha ocular.
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5. Conclusão.
A toda evidência, a Tradição autêntica da Igreja está confirmada.
Os Evangelhos são da era apostólica. Caem as especulações, os jogos intelectuais, os postulados do método histórico-crítico, inadequadamente aplicado aos escritos neotestamentários. Relembre-se. A exegese dominante impunha um longo espaço de tempo entre o Jesus histórico e a redação dos Evangelhos. Precisavam disso para justificar suas teorias das diversas “formas literárias” e das “lendas”, supostamente criadas pelas comunidades helênicas antigas, condicionadas pelos variados “Sitz im Leben”, as quais teriam sido coligidas mais tarde pelos evangelistas sob o nome de Apóstolos ou discípulos. Agora o edifício exegético da dita “crítica moderna” implodiu.
Os Evangelhos foram escritos por testemunhas oculares e discípulos diretos das mesmas, bem pouco depois da Ascensão do Senhor. Está confirmado. E não só pelo papiro de Qumran, mas também pelos papiros de Magdalen, (Mt 26, 7-8. 10. 14-15. 22-23. 32-35), reestudados por Thiede. Os resultados desse trabalho estão publicados em livro, com tradução portuguesa , sob o título “Testemunha ocular de Jesus”.
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Para uma visão funda da matéria, sugiro a leitura atenta da obra, já referida, “TESTEMUNHA OCULAR DE JESUS”, de Carsten Peter Thiede, publicado em português, pela Editora Imago, em 1996. Há também um estudo completo, de trinta e três páginas, do exegeta Dom João Evangelista Martins Terra, de fácil acesso. Foi publicado pela revista ATUALIZAÇÃO, n. 265, de fevereiro de 1997, Minas Gerais, Belo Horizonte - fone (031) 441-3622. Trata-se de trabalho meticuloso. Supre as deficiências da divulgação tentada nestes registros. Dom João Evagelista Martins Terra S.J., professor de exegese, hoje bispo auxiliar de Brasília, trabalhou por vários anos na Congregação para a Doutrina da Fé. O artigo mencionado é denso de conteúdo. Descreve a técnica científica de identificação do 7Q5, com um anexo esclarecedor.*
Bendito seja o Senhor. Nas dobras críticas da história Ele socorre o seu Povo, não só suscitando profetas nos patamares da fé, mas também surpreendendo no chão dos fatos.
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*Obs.: Vale ler também Vittorio Messori, em “PADECEU SOB PÔNCIO PILATOS?” (Ed. Santuário, 1993, Aparecida, SP. É continuação de “HIPÓTESES SOBRE JESUS”, publicado em 1976, que surpreendeu o mundo editorial pela maciça repercussão e espanto dos “especialistas”. Messori pesquisa há mais de vinte anos, sempre com o objetivo de poder “dar as razões de sua esperança” (1Pd 3,15). Em estilo jornalístico, mas de conteúdo que surpreende teólogos e biblistas. Revela conhecimento de toda a problemática exegética e teológica e o transmite livre da mordaça técnica. É o mesmo jornalista que entrevistou Ratzinger, em “FÉ EM CRISE?” (E.P.U., 1985), e João Paulo II, em “CRUZANDO O LIMIAR DA ESPERANÇA” (Francisco Alves Editora, 1994).]
Fonte do artigo> o artigo postado é publicação da Revista Cultura e Fé, n° 81/1998., revista do Instituto de Desenvolvimento Cultural
porEuripedes Ferreira, maio 24, 2011
Terminei de ler seu artigo sobre os papiros 7Q5 e 7Q4. Para mim foi uma descoberta quase que por acaso, pois estava pesquisando na Internet, artigos sobre quem teria realmente escrito o primeiro Evangelho. Qual seria a famosa fonte “Q”? Mas estou maravilhado sobre a descoberta e estudos sobre esses papiros. Não sei se é impressão minha, mas me parece que esse estudo está pouco divulgado. Vou continuar a procurar mais fontes e comentários. Mas com base nessa descoberta sobre o papiro 7Q5, uma pergunta: poderia com base nesse papiro, o Evangelho de Marcos ser oficialmente considerado como o primeiro Evangelho? Outra pergunta: porque consideramos que o Evangelho começou a ser escrito após a ascensão do Mestre? Será que um dia não iremos descobrir que na verdade o Evangelho poderia ter sido escrito ao longo das pregações de Jesus? Meus parabéns pelo artigo.
tenho acompanhado de perto todos os movimentas das igrejas de deus pelo meno no brasil e nos pases de lingua espano,eu sou um grão zinho de areia no oceano mas tenho feito a minha parte,
ResponderExcluirAgradeço a generosidade do blog por apresentar o artigo de minha lavra, "Papiro 7Q5, surpresa para muitos". Teria sido útil se do blog constasse que o artigo postado é publicação da Revista Cultura e Fé, n° 81/1998., revista do Instituto de Desenvolvimento Cultural - IDC.
ResponderExcluirAgradeço esse esclarecedor artigo, que veio enriquecer o debate sobre os fragmentos da Gruta 7. Cada vez mais, aparecem evidências de que Jesus teria sido educado na comunidade dos essênios e precisamos estar preparados para as consequências que esse fato pode trazer à nossa compreensão do cristianismo primitivo. Ressalto aqui a importância da colaboração entre as diversas denominações cristãs na busca de verdade.
ResponderExcluirGente burra hahahah o símbolo mais poderoso é o pentagrama de cinco pontas invertido para baixo ... esse sim representa o deus do universo SATAN :) ágios SATAN!!!
ResponderExcluirGente burra hahahah o símbolo mais poderoso é o pentagrama de cinco pontas invertido para baixo ... esse sim representa o deus do universo SATAN :) ágios SATAN!!!
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